Quantas tendências posso colocar em um único post antes de 2018 acabar?
Certamente que Negronis, coquetéis envelhecidos e engarrafados, oxidação e vermute foram grandes tendências dos últimos anos, mas eu ainda considero pouco o conhecimento disponível sobre os assuntos.
Primeiramente a grande motivação deste experimento é compreender maneiras práticas de conservar uma garrafa de vermute fresca por mais tempo.
Por ser um produto a base de vinho esta bebida está sujeita ao decaimento promovido pela oxidação e sabemos bem que sua validade, mesmo quando bem conservado na geladeira, é de menos de seis semanas. Caso o consumo do seu bar para esta bebida seja baixo é possível que mesmo mantendo o seu vermute na geladeira ela estará velho quando servida a última dose. Escalando para o entusiasta amador este fato é mais inevitável ainda.
As saídas conhecidas são porcionar em garrafas menores ou elevar o grau alcoólico.
Elevar o grau alcoólico significa ter um “coquetel engarrafado” e surge a ideia de colocá-lo em um barril para termos uma oxidação “benéfica” e uma complexidade de envelhecimento em barril.
Embora a ideia de engarrafar coquetéis seja antiga o responsável por seu retorno é Tony Conigliaro, bartender londrino precursor de diversos métodos não-convecionais.
Tony demonstrou que o engarrafamento acaba por ter um efeito de “envelhecimento” no coquetel. As moleculas aromáticas de cada bebida vão lentamente reagindo e entregando uma suavidade maior ao coquetel.
Em seu café-bar Termini é vendido uma série de negronis engarrafados.
O tempo desta maturação vai depender muito do coquetel e seus ingredientes, mas quanto mais tempo passar, mais o coquetel vai se integrar e suavizar.
Um estudo da revista Imbibe indicou o processo de “envelhecimento” no vidro como uma maneira mais confiável e previsível que o real envelhecimento em barris. Embora o efeito dos dois métodos entregue produtos totalmente diferentes e exista lugar para as duas abordagens, pensando em apenas não avinagrar nosso vermute escolhi experimentar com o vidro.
Tendo escolhido o método fica faltando o coquetel para aplicá-lo. Devido ao grande apreço pelo Negroni ele é uma escolha certa e o resultado do estudo do mesmo facilitaria a vida de entusiastas, bares de coquetelaria mais tímida.
Misturar os ingredientes e esperar não é a única opção que podemos testar.
Pode-se experimentar com uma versão já diluida e pronta para beber e também com uma versão que apenas fortifique um pouco o vermute.
Como estamos muito interessados na influência deste método na conservação do vermute iremos avaliar o precesso à temperatura ambiente e sob refrigeração.
Sendo assim temos os seguintes testes:
- Negroni diluido para 18%, mantido na geladeira;
- Negroni mix, mantido na geladeira;
- Este mix diluido para 18% no momento de servir;
- Negroni diluido para 18%, mantido no armário de bebida;
- Negroni mix, mantido no armário de bebida;
- Este mix diluido para 18% no momento de servir;
- Milano-Torino mix, mantido na geladeira;
- Este mix adicionado de gim na proporção de 2:1 de mix para gim;
- A bebida anterior diluida para 18% (ou seja, um Negroni pronto para beber);
- Milano-Torino mix, mantido no armário de bebida;
- Este mix adicionado de gim na proporção de 2:1 de mix para gim;
- A bebida anterior diluida para 18% (ou seja, um Negroni pronto para beber);
Preparados estes experimentos sobrou vermute suficiente para preencher duas miniaturas de 50mL que servirão de comparação. Os ingredientes são misturados em partes iguais, seguindo as receitas clássicas de Negroni e Milano-Torino.
As amostras do vermute porcionado renderam os resultados:
- Uma miniatura foi aberta com 43 dias de experimento e ainda tinha um caráter vínico perceptivel e das notas aromáticas do vermute com destaque para o cacau, embora estivesse mais adocicado que o vermute fresco.
- A outra miniatura foi aberta com 84 dias de experimento e já apresentava um amargor dominante e baixa intensidade das notas aromáticas, embora ainda não tivesse uma acidez acética perceptível.
As amostras dos coquetéis renderam a tabela abaixo:
Amostra |
8 dias |
22 dias |
43 dias |
84 dias |
1 |
Amargor reduzido Notas cítricas e de vermute |
Dulçor reduzido Notas cítricas e de vermute |
Amargor usual Notas cítricas e de cacau |
Bem equilibrada Notas cítricas |
2 |
Dulçor reduzidos Notas de especiarias |
Amargor reduzido Bom sabor do vermute |
Doce e Picante presentes Notas cítricas e frutadas |
Bebida intensa Notas cítricas Boa complexidade |
2,1 |
Bebida amarga |
Bebida leve |
Bebida muito leve |
Bebida doce |
3 |
Bebida pouco intensa Mas bem aromática |
Bebida equilibrada Notas de caramelo |
Amargor leve Bebida licorosa |
Bebida equilibrada Bem aromática |
4 |
Bebida equilibrada e complexa |
Picância presente Bebida marcante |
Dulçor presente Bebida licorosa |
Bebida intensa Notas de especiarias |
4,1 |
Bebida leve e cítrica |
Bebida equilibrada e cítrica |
Bebida equilibrada Amargor de raízes |
Bebida intensa Bom equilíbrio |
5 |
Bebida rica e licorosa |
Amargor presente |
Picante e cítrica |
Doce e cítrica |
5,1 |
Gim dominante |
Doce leve |
Notas cítrica e metálica |
Notas cítricas |
5,2 |
Cítrica |
Equilibrada |
Equilibrada |
Intensa e cítrica |
6 |
Notas de chá e Campari |
Notas medicinais |
Dulçor presente. Notas de vermute |
Bebida doce e rica |
6,1 |
Gim dominante |
Equilibrada |
Muito alcoólica |
Muito alcoólica |
6,2 |
Bebida leve |
Bebida leve |
Bebida leve |
Muito alcoólica |
Destes dados podemos concluir:
- Teve uma boa integração dos sabores, valorizando as notas cítricas;
- Desenvolveu intensidade e notas frutadas;
- Porém não obteve boa diluição;
- Teve uma boa integração dos sabores, valorizando o vermute;
- Desenvolveu intensidade e notas de especiarias;
- Obteve um bom equilíbrio quando diluida;
- Desenvolveu intensidade e notas cítricas;
- Quando adicionada de gim manteve as notas cítricas;
- Obteve um bom equilíbrio quando diluida e manteve as notas cítricas;
- Desenvolveu intensidade e dulçor;
- Quando adicionada de gim não obteve um bom equilíbrio;
- Quando diluida não obteve um bom equilíbrio.
- Os experimentos 1 e 3 apesar de terem obtido uma boa complexidade ao longo do processo não lembram muito o coquetel original, mas são bons aperitivos.
- Os experimentos 4.1 e 5.2 desenvolveram boa complexidade além de serem muito próximos do coquetel original.
- Os experimentos 2 e 6 são bons aperitivos, mas não diluem bem.
- O vermute teve o seu perfil de sabor preservado por mais tempo do que o método de porcionamento.
Algumas bebidas suavizaram muito e perderam a característica inical do coquetel, pode-se argumentar a favor e contra estas mudanças. Embora a longo prazo o coquetel de fato tenda a suavizar, eu prefiro os experimentos que mantiveram o caráter inicial.
Podemos desconfiar que a diluição agilize o “envelhecimento” e que no caso de um bar de volume esta prática não surta efeitos devido à grande vazão de produto.
No caso do Milano-Torino, o experimento 6 (armazenado à temperatura ambiente) mostrou um forte amadurecimento dos sabores, o que inviabilizou-o como ingrediente para Negronis, possivelmente por seu baixo teor alcoólico (22%). Já o experimento 5 desenvolveu-se em uma temperatura mais baixa e foi hesitoso no coquetel final.
Quanto ao Negroni mix notou-se um equilíbrio mais certeiro e rápido no experimento 4, possivelmente pelas temperaturas à que este foi submetido.
Desta forma temos uma boa regra prática, que ainda merece mais testes, de manter as bebidas abaixo de 25% de graduação na geladeira.
É interessante imaginar estas técnicas e conclusões “prévias” para outros coquetéis com vermute como Manhattan, Dry Martini e Affinity.
Quais suas experiências com “envelhecimento em vidro”?
Saúde!